Guimarães Jazz 2022
Na primeira semana do Guimarães Jazz 2022, aquela a que assisti, nem tudo correu pelo melhor, com um concerto muito bom e um outro muito mau, sem outros concertos a destacar, numa irregularidade que não é cônsona com a programação a que estamos habituados no mais importante festival de Jazz nacional.
Os sinais estavam lá e, se não quis antecipá-los foi, em parte porque lhes – aos concertos - preferi dar o benefício da dúvida, e pelo respeito que os músicos e o festival me merece.
É verdade que uma parte da programação do festival é imperceptível para o público, e falo em particular dos workshops com os jovens músicos da ESMAE, orientadas por um músico norte-americano, que decorrem ao longo da primeira semana e que resultam num concerto cuja apresentação escapa ao grosso desse grande público do festival, e que me merece todo o crédito e aplauso.
Ou do concerto multidisciplinar e mais experimental, numa colaboração Guimarães Jazz – Porta Jazz, que resulta da carta-branca a um músico e que ocorre excepcionalmente fora do Vila Flor, na Black Box do Centro de Artes José de Guimarães, e que, pelas suas características, contém muita imprevisibilidade, mas que, a meu ver, é meritoso.
Mas o mesmo não digo da colaboração com a Sonoscopia, e já escrevi sobre ele na antecipação do festival, e da interrogação sobre a nova colaboração com o Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro, que da mesma forma escapará aos critérios de programação do Guimarães Jazz. Mas, como escrevi, é uma interrogação.
Também compreendo que a programação do festival é por natureza ecléctica e, porque se dirige a vários públicos, entre o aficionado do Jazz e o público que apenas tem contacto com o Jazz uma vez por ano; e nesta programação se inclui normalmente o concerto inicial, que este ano teve como protagonista a cantora Dianne Reeves, e o concerto que conta com a Orquestra de Guimarães (que não é uma orquestra de Jazz), num projecto para onde são convidados músicos mais ou menos marginais ao Jazz, como terá sido este ano, na segunda semana, o concerto de jazz-flamenco de Manuel de Oliveira.
Dianne Reeves
O concerto de Dianne Reeves correu bem, e as minhas expectativas não eram muitas, atendendo ao concerto a que tinha assistido há três anos no Funchal.
Dotada de uma voz poderosa e uma enorme amplitude tímbrica, técnica e recursos, profundamente conhecedora do cancioneiro norte-americano, Dianne Reeves é uma cantora experimentada nos grandes palcos internacionais; mas é frequentemente traída, enquanto intérprete de Jazz, pelos tiques de estrela mediática que decorrem do seu direccionamento a um público alargado. Mas ela sabe cantar.
Que o espectáculo iria ser diferente, ela prenunciou logo quando entrou no palco a entoar um velho êxito de Cat Stevens, «Morning has broken», numa interpretação muito pessoal como só ela, passando de seguida para «Minuano», um tema popularizado por Pat Metheny que evoca Milton Nascimento, e Milton Nascimento regressaria ao palco mais explicitamente com «Tarde» e «Nada Será», motivo para a cantora expressar o seu afecto pelo músico brasileiro. O Brasil esteve presente sempre no concerto, seja ainda pela homenagem a Gal Costa ou pela «omni»presença do guitarrista virtuoso Romero Lubambo, a que a cantora ofereceu generoso espaço. Ainda assim ela foi parcimoniosa na evocação do Brasil, escusando-se às bossas e aos sambas com que os cantores americanos gostam de nos brindar, preferindo intercalar com soberbas interpretações dos clássicos, um cálido «Skylark» ou o mais rápido «I’m All Smiles». Humor quanto baste, recursos infinitos, parcimonioso scat, alguns momentos em duo com o guitarrista, mas espaço para toda a banda solar. Banda competente, mas algo discreta, com excepção para o guitarrista, e um vozeirão, num concerto a arrebatar o aplauso do público, merecidamente.
Linda May Han Ho Quartet
Malaia – australiana – norte-americana, Linda May Han Ho é uma contrabaixista extraordinária que se tornou notada como um dos valores mais seguros do universo do influente Dave Douglas; e o público do Guimarães Jazz já a tinha visto tocar por diversas vezes, a última das quais no festival do ano passado, como a excelente contrabaixista do trio de Vijay Iyer, como fiz notar no texto que sobre ele escrevi. Faltava vê-la como líder e, por ventura do destino, ela substituiu o concerto cancelado de Archie Shepp que (infelizmente) adoeceu. (E eu diria que, longe de possuir a carga emocional que desde logo o nome de Shepp contém, musicalmente teremos ficado a ganhar.)
E ela protagonizou o momento mais alto da semana, e talvez do festival.
A música de Linda Oh não é (não procura ser) calorosa ou empática, mas é subtil, exigente e rigorosa. As composições (verdadeiras composições), engenhosas e refinadas, respeitam a mais elementar definição de Jazz, combinando na dose acertada composição e improvisação. Para tal ela contou com um quarteto de intocáveis (mérito de líder na escolha), sem elementos fracos, e vale a pena referi-los: Greg Ward no saxofone alto, Matthew Stevens na guitarra e Jeff Ballard na bateria (creio que Ballard – que eu tinha visto tocar em Angra do Heroísmo num outro contexto completamente diferente há pouco mais de um mês - não é o baterista regular da banda, mas toda a classe de um baterista superlativo, dúctil, proficiente e cooperativo, se revelou).
A conexão contrabaixo – bateria é empática e absoluta. Linda Oh e Jeff Ballard combinam-se e prolongam-se como uma verdadeiro motor, luxuoso nos detalhes, intervindo na produção harmónica da guitarra e do saxofone. Mas não há nunca uma verdadeira distinção no papel da construção rítmica da banda, pois a guitarra e o saxofone contribuem profundamente, à maneira um pouco do que faz Steve Coleman, que o saxofonista evoca explicitamente: notas muito curtas numa síncope alucinante, conluiando com o guitarrista, outro soberbo instrumentista.
Composições engenhosas e férteis – saídas da pena de Linda Oh à excepção de uma homenagem devida a Archie Shepp: «Hambone» -, com quatro instrumentistas em permanente interrogação e intrusão; uma banda coesa e empática e improvisadores de excepção para uma música que nunca facilita a vida ao ouvinte: o Jazz superlativo de Linda May Han Ho.
Anders Koppel, Benjamin Koppel and Martin Andersen
Benjamim e Anders Kopel, pai e filho, têm um percurso na história da música dinamarquesa que em muito ultrapassam o Jazz, entre a música clássica e o Jazz, o rock e a pop, e esperar-se-ia talvez algum arrojo e alguma dessa heterodoxia no concerto do Guimarães Jazz. Não foi isso que aconteceu, mas um concerto clássico de hammond trio. O Hammond é um instrumento com uma longa história no Jazz, marcante (mesmo se o Hammond que Benjamim Kopel tocou tivesse sido um modelo recente, sem o peso e a força do instrumento original; e mesmo se ele dispunha da coluna rotativa independente, como deve ser), e a sua singularidade acabou por afunilar a música do trio. Kopel pai é um organista dotado, mas não é um génio como Jimmy Smith, e a opção pelo trio de órgão nunca excedeu a mediania, mesmo se ele foi capaz de fazer um concerto agradável e competente.
Hamid Drake’s Turiya: Honoring Alice Coltrane
A homenagem de Hamid Drake a Alice Coltrane de Hamid Drake foi um desastre; não tenho como defini-la de outra forma. Ao invés de nos trazer a música de Turiya ele optou por nos oferecer a religiosidade e a mística. É sabido que a última mulher de John Coltrane em muito influenciou o saxofonista no que a sua música ganhou em mística e espiritualidade no seu último período, mas o génio – na música – pertence-lhe no todo. A música de Turiya foi sempre algo de diferente, e sim, ela foi influenciada musicalmente por Coltrane. Mais contemplativa e meditativa, mais mística, mais espiritual e mais religiosa, mas incapaz (porque não quereria e não era assim) da catarse do genial saxofonista.
Posto isto, o que Hamid Drake trouxe para o palco do Guimarães Jazz foi apenas a religiosidade extirpada da música, numa espécie de síntese patética. Ele invocou alguns temas de Alice Coltrane, mas planou sobre eles levemente, e nunca se evidenciaram. Não houve um esforço de composição, um esforço de arranjo, mas um ligeiro funky/soul/reggae a guarnecer um desfiar de lengalengas. A banda nunca funcionou como uma banda, sem arranjos e unidade, com apenas alguns solos soltos dignos de nota. E o músico da noite foi Jamie Saft, incapaz ainda assim de salvar a noite, mas ele foi o protagonista do momento (musical) do concerto, com um solo notável, logo no primeiro tema. Percebia-se que havia temas, apenas porque o baterista intervinha, contando como tinha conhecido Alice Coltrane ou a sua devoção, mas apenas. Hamid Dake fez também ele alguns solos interessantes e percebeu-se que havia outro grande músico em palco, quando a trompetista Sheila Maurice-Grey solou, mas foi um momento fugaz, e sentimos pena que ela não tocasse mais. Os restantes músicos simplesmente pareciam não estar lá. O baixo resumia-se a cumprir, o vibrafone esteve sempre apagado (e eu tenho uma mão cheia de jovens vibrafonistas portugueses capazes de brilhar naquele contexto), o responsável das electrónicas bamboleava-se e de vez em quando ouvia-se uns vagos sons desconexos intrometendo-se, e a bailarina, depois de um momento inicial em que encenou alguns passos curiosos, remeteu-se aos coros, secundando as preces de Hamid Drake. Hamid Drake falou, muito (a sua devoção era muita), e cantarolou, entoando uns cânticos que o grupo secundava. Lengalengas, mumbo-jumbo: Turiiiiiya, Oh Turiiiiya, mãe dos povos, Oh Shiva redentora, Oh Iemanjá, nossa deusa; uma ladainha interminável, nada faltou numa noite cheia, suposto, de religiosidade, mas sem música.
Honestamente, senti-me insultado. O que Hamid Drake fez (não fez nada, nenhum trabalho de casa, composição ou orquestração) foi um triste espectáculo. Cinco estrelas para o pianista que fez o que pôde (catártico e devastador, ocasionalmente, quando pôde) mas não conseguiu, não era possível, salvar a noite. E lamento que a trompetista não tivesse tocado mais, mas ela também estava nas arengas. Ou, como dizia um espectador, foi uma fricalhada fora de tempo. Já não se usa, ficou no tempo. Tinha graça, pelo folclore, há cinquenta anos.
Um desastre!
Big Band da ESMAE dirigida por Victor Garcia
O concerto da tarde apresentou o resultado dos workshops que tinham decorrido paralelamente à primeira semana do festival com os jovens estudantes da ESMAE, dirigidas este ano pelo trompetista de Chicago Victor Garcia.
Perante um público entusiasmado, composto principalmente pelos familiares dos jovens músicos, a orquestra alternou entre composições do director, clássicos do cancioneiro norte-americano, Stevie Wonder e Tom Jobim, num concerto despretensioso que se revelou competente, com muitos solos individuais, e um final em festa com um arranjo de Garcia para o popular «Quimabara» de Junior Cepeda.
Projecto Porta-Jazz/ Guimarães Jazz: Mané Fernandes «matriz_motriz»
E enfim, a primeira semana concluiu-se, como vem sendo hábito, na Black Box, para um concerto de características experimentais, combinando formas artísticas e performativas diversas, pela sua natureza de resultados imprevistos e desiguais.
Em primeiro lugar uma nota: mesmo se eu creio que este projecto carta-branca me merece todo o interesse e respeito, esta não é a minha música e o que escreverei de seguida deverá ser tomado em conta apenas como as observações de um leigo, como um ocasional elemento do público assistente.
A carta-branca (associação Porta Jazz – Guimarães Jazz) foi entregue em 2022 ao guitarrista Mané Fernandes, que levou ao placo um espectáculo onde combinava música, dança e coreografia: «matriz_motriz».
Guitarra, electrónica e direcção por Mané Fernandes, piano de João Grilo, três vozes: Mariana Dionísio, Vera Morais e Sofia Sá, e ainda dança e coreografia de Brittanie Brown.
Espectáculo experimental por natureza, com as vozes em destaque, numa exposição que combinou as explorações vocais retiradas talvez de Meredith Monk (e este é um caminho que algumas cantoras portuguesas têm seguido) e a música minimal dos anos 70-80, a electricidade do rock e o acústico do piano. As vozes comportam-se como instrumentos na abstracção que forçam, em combinações monossilábicas, embora eu creia que alguma dissemelhança tímbrica deveria, ou poderia, ser explorada. Com também a necessidade de expor várias ideias num curto espaço de tempo, na conjugação instrumental, dispersou a unidade necessária do projecto (o que autorizou a atenção do público para detalhes marginais).
A coreografia também me pareceu não resultar consequentemente, em grande medida devido ao facto de a bailarina se deslocar insistentemente para espaços do palco sem luz ou menos iluminados, e o jogo de cores que a roupa sugeria perdia-se também.
Espectáculo pouco apelativo, mas esse não era preocupação de Mané Fernandes dado o seu carácter assumidamente experimental, mas com alguns aspectos inconsequentes (em minha não autorizada opinião) no seu (Mané Fernandes) objectivo.
Não questiono o trabalho e o interesse do trabalho de Mané Fernandes mas, como iniciei, esta não é a minha música, e prefiro-lhe bastante mais o arrojado «ENTER THE sQUIGG».
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Enfim, a primeira semana do Guimarães Jazz terminava e havia que regressar. Restavam as memórias da grande música (ignoremos os momentos maus), as jam sessions onde os miúdos se revelam, e o reencontro com os amigos de Guimarães e os almoços de quatro horas: os rojões, a vitelina no forno, o bom vinho e o prego do Martins no final da noite. Uma cidade bonita e sólida: Guimarães, a Capital do Jazz.
Leonel Santos
Todas as fotos: © Paulo Pacheco
(Leonel Santos esteve no Guimarães Jazz a convite do festival)
Qui 10 | Guimarães | Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
Dianne Reeves |
Dianne Reeves (voz), Edward Simon (p), Romero Lubambo (g), Reuben Rogers (b), Terreon Gully (bat) |
Sex 11 | Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
Linda May Han Oh Quartet |
Linda May Han Oh (ctb), Greg Ward (s), Matthew Stevens (g), Jeff Ballard (bat) |
|
Sáb 12 | Centro Cultural Vila Flor (PA) |
17.00 |
Benjamin Koppel, Anders Koppel and Kristoffer Sonne Trio |
Benjamin Koppel (s), Anders Koppel (or), Kristoffer Sonne (bat) | |
Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
Hamid Drake «Turiya: Honoring Alice Coltrane» |
Ndoho Ange (dança, spoken words), Sheila Maurice-Grey (t, voz), Jan Bang (elec), Jamie Saft (p, tec, f-r), Pasquale Mirra (vib, per), Joshua Abrams (ctb, guembri), Hamid Drake (bat, per, voz) | ||
Dom 13 | Centro Cultural Vila Flor |
17.00 |
Big Band da ESMAE, dirigida por Victor Garcia |
Victor Garcia (dir) | |
Black Box |
21.30 |
Projeto Porta-Jazz/ Guimarães Jazz |
Mané Fernandes (c, g-el, elec, voz), Mariana Dionísio (voz), Sofia Sá (voz), Vera Morais (voz), João Grilo (p, elec, voz), Brittanie Brown (dança e coreografia) | ||
Ter 15 | Centro Cultural Vila Flor (PA) |
21.30 |
Projeto CEJ/ Guimarães Jazz |
Afonso Silva (s, EWI), Ricardo Alves (g), Eduardo Carneiro (bat) | |
Qua 16 | Centro Cultural Vila Flor (PA) |
21.30 |
Sonoscopia/ Guimarães Jazz |
David Maranha (or), Will Guthrie (bat) | |
Qui 17 | Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
Manuel de Oliveira, Jorge Pardo, Carles Benavent & Orquestra de Guimarães |
Manuel de Oliveira (g), Jorge Pardo (f, s), Carles Benavent (b-el), Miguel Veras (g), Quiné Teles (bat, per), Carlos Garcia (p, direcção da OG) | |
Sex 18 | Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
David Murray Octet Revival |
David Murray (st, clb), Aruan Ortiz (p), Roman Filiu (sa), Mario Morejón Hernàndez ‘El Indio’ (t), Denis Cuni (trb), Mingus Murray (g), Brad Jones (ctb), Hamid Drake (bat) | |
Sáb 19 | Centro Cultural Vila Flor (PA) |
17.00 |
Victor Garcia Group |
Victor Garcia (t, flis), Ben Lewis (p), Greg Artry (bat), Josh Ramos (ctb), Jill Katona (voz) | |
Centro Cultural Vila Flor |
21.30 |
Orquestra Jazz de Matosinhos & Ethan Iverson + David Virelles «Jazz in the Space Age- George Russell» |
Telmo Marques (transcrição e adaptação), Pedro Guedes (dir), Ethan Iverson (p), David Virelles (p), José Luís Rego (madeiras), João Guimarães (madeiras), Mário Santos (madeiras), José Pedro Coelho (madeiras), Rui Teixeira (madeiras), Luís Macedo (t), Ricardo Formoso (t), Javier Pereiro (t), Daniel Dias (trb), Gil Silva (trb), Gonçalo Dias (trb), Miguel Meirinhos (f-r), Eurico Costa (g), Demian Cabaud (ctb), Marcos Cavaleiro (bat) |
Antecipação
No Guimarães Jazz de 2022 o destaque da primeira semana vai para o Quarteto de Linda May Han Oh que vai tocar na sexta-feira, 11, em substituição de Archie Shepp, que não pôde vir em virtude de ter adoecido. É verdade que Archie Shepp transporta consigo o peso da história, do blues e da grande música negra, mas temíamos que a idade o atraiçoasse, o que veio a acontecer. (Enfim, uma rápida recuperação, caro Archie Shepp.)
Já vi a Linda Ho por diversas vezes, e direi que, em termos musicais, não ficaremos a perder, já que ela é uma notável instrumentista e compositora. Tendo-se feito notar como baixista das bandas do universo Dave Douglas, Linda Ho depressa ganhou o seu espaço como líder dos seus projectos, tendo tocado em Portugal por diversas vezes. Nos seus cinco discos editados colaboraram, entre outros, Ambrose Akinmusire, Obed Calvaire, Matt Mitchell, Chess Smith, Ben Wendel,
Justin Brown, Fabian Almazan, Dayna Stephens,
Rudy Royston; mas a lista de discos onde toca ultrapassa as centenas.
O seu último disco, belíssimo, pré-pandémico,
«Aventurine», incluía um quarteto de cordas, saxofone, piano, vibrafone e bateria.
Outros concertos que merecerão o aplauso do público serão o concerto de Dianne Reeves e o concerto coreografado de homenagem a Alice Coltrane, de Hamid Drake «Turiya: Honoring Alice Coltrane», no sábado.
Possuidora de uma voz portentosa, com um conhecimento profundo da tradição e do cancioneiro americano, Dianne Reeves comporta-se como uma verdadeira diva, tendo-se deixado tocar pelo show bizz, o que pode afectar o concerto do ponto de vista do Jazz; mas creio que os seus dotes vocais e técnica serão mais do que bastantes para convencer o público do Guimarães Jazz. Tem honras de abertura do 31.º Guimarães Jazz, já na quinta 10.
Hamid Drake é um músico oriundo da área do free-jazz, que tocou com Archie Shepp, Fred Anderson, Don Cherry, Peter Brotzman e William Parker, entre inúmeros outros. Alice Coltrane, «Turiya» foi a talvez principal influência espiritual do último período de John Coltrane, ela também música, compositora, harpista e teclista, que continuou a tocar até muito depois do desaparecimento de Trane. Não será por isso de estranhar que ela também tenha influenciado inúmeros músicos mais jovens (o filho de Coltrane e Alice levou ao palco um projecto de homenagem a Turiya, há um mês).
O projecto de Hamid Drake inclui-se na celebração do 85.º aniversário do nascimento de Alice Coltrane, com temas basicamente escritos por ele para a efeméride e contempla uma coreografia, com poesia, spoken word e bailado. Sábado 12.
Da Dinamarca vêm Anders e Benjamim Kopel, filho e pai, saxofone e teclas, dois músicos que primam pela heterodoxia. Com um percurso no Jazz que é influenciado pela música erudita e popular da Europa, que inclui a pop/ rock, eles nunca granjearam a visibilidade internacional que talvez merecessem, mesmo se eles têm uma vasta obra publicada. Serão acompanhados em Guimarães pelo baterista Kristoffer Sonne. Sábado 12, à fim da tarde.
A primeira semana completa-se com dois concertos, no domingo.
À tarde, num dos projectos mais acarinhados pelo festival, toca a Big Band da ESMAE, no resultado dos workshops que decorreram na semana anterior ao festival e que será dirigida pelo mentor das workshops e trompetista, Victor Garcia.
À noite, na Black Box – Centro Internacional das Artes José de Guimarães, acontece outro dos singulares projectos do Guimarães Jazz, a carta branca a um músico, concerto interdisciplinar, que este ano foi dirigida ao guitarrista Mané Fernandes, e que inclui teclados, vozes, electrónica, dança e coreografia, para além da guitarra de Fernandes.
O festival retorna na terça-feira 15 com uma nova colaboração com o Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro, que nesta estreia contará com os jovens músicos Afonso Silva, Ricardo Alves e Eduardo Carneiro.
Na quarta o festival retoma a colaboração com a Sonoscopia, no que é para mim uma das mais intrigantes associações do festival. Esclareço: a Sonoscopia não tem como objectivo tocar Jazz, definindo-se como «Platform for Experimental Music», sendo que nenhum dos concertos a que assisti até hoje revelaram algum interesse, sequer musical (menos jazzístico), e já tive oportunidade escrever sobre eles. Um ocasional vago free-jazz, uma vanguarda adolescente, música por vezes próxima do ambient ou do conceito de banda sonora, incipiente e equívoco na radicalidade.
O concerto deste ano traz um músico – David Maranha - dessa área (e perguntem, por favor, ao David Maranha, se ele se considera um músico de Jazz). Não pretendo discorrer sobre áreas que não domino, mas eu diria que as coisas mais interessantes que lhe ouvi nos últimos tempos terão sido inspiradas nos Pink Floyd de Syd Barrett (e eu gosto dos Pink Floyd dos anos 60). Enfim, eu já não estarei lá para ajuizar da pertinência da proposta Sonoscopia deste ano.
Outro concerto que se adivinha muito aplaudido faz regressar a Guimarães o músico que concebeu o espetáculo da cerimónia de abertura da Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, Manuel de Oliveira. Manuel de Oliveira é um especialista na guitarra flamenca, e traz com ele dois músicos que com ele vêm colaborando - Jorge Pardo e Carles Benavent, consagrados músicos do «Jazz flamenco», cujo quinteto estará à frente da Orquestra de Guimarães, de acordo com o modelo que o festival introduziu há alguns anos.
O David Murray Octet Revival será outro dos grandes concertos do Guimarães Jazz. Revival do lendário octeto dos anos 80 do século passado, que contava, na altura, com Henry Threadgill, Olu Dara, Butch Morris, George Lewis, Anthony Davis e outros, o octeto fazia uma música excitante e inovadora, no concurso entre a vanguarda e a tradição.
Desaparecidos uns e líderes dos seus grupos outros, o Octet Revival traz poucas estrelas, mas atendendo ao que conhecemos de David Murray, ele será constituído, por certo, por ilustres jovens virtuosos, capazes de tocar essa música vibrante que é a música do grande saxofonista que é David Murray.
A tarde do último sábado leva ao palco o quinteto do chicagoan Victor Garcia, um dos mais prometedores trompetistas da actualidade (de acordo com as vozes sabedoras), que dirigiu os workshops com os alunos da ESMAE e alimentou as jam sessions ao longo das duas semanas do festival.
E o encerramento estará a cargo da Orquestra de Jazz de Matosinhos. Eu venho escrevendo, desde há talvez uma década, que há muitos músicos e projectos que já mereciam o palco principal do Vila Flor, e ora ele aí está! O panorama do Jazz nacional já não é, desde há muito, o que era quando há trinta e um anos o festival se iniciou, e a Orquestra Jazz de Matosinhos é a mais importante, regular e internacional orquestra de Jazz nacional, tendo no seu currículo algumas das mais importantes salas de todo o mundo, a começar pelo Village Vanguard, em Nova Iorque, e inúmeras colaborações e contributos dos mais prestigiados músicos internacionais, entre Lee Konitz, Chris Cheek e Kurt Rosenwinkel.
O disco que a orquestra irá tocar, «Jazz in the Space Age», de 2020, é a recuperação de um dos mais lendários discos do compositor George Russell, transcrita para a pauta por Telmo Marques (porque ela terá há muito desaparecido); um misto de arrojo e complexidade raros e, não tenho dúvidas quanto ao seu sucesso. Acresce que, para o momento, a orquestra convidou para o piano dois dos mais ilustres pianistas da actualidade: Ethan Iverson e David Virelles.
À excepção da noite de domingo 13, todos os concertos se realizam no Centro Cultural Vila Flor.
Ao longo do festival, decorrerão jam sessions, entre o Café Concerto do CCVF e a Associação Convívio.
Senhoras e senhores, o Guimarães Jazz vai começar!
Programação:
Ivo Martins
Produção/ Organização:
Município de Guimarães, Oficina, Convívio
Guimarães Jazz 2022, 10 a 19 de Novembro de 2022